Minicontos: Ele Ela - Nelson Albuquerque Jr.!

Segue abaixo mais alguns minicontos:

Ele: Mel


Ele tanto pensava nela. Agora já faz dez anos. E ainda pensa. Você acontece nos meus dias. Uma vez aqui, outra ali. Lembro de você. De nós. Mas sua imagem foi rareando. Aos poucos. Perdendo brilho, cor, cheiro, sabor. Chego quase a não te ver. Só que sei que é você. Por um triz não te vejo. Por um triz não te sinto. Um esforço cada vez maior. Para ter uma vaga lembrança. 
Um suspiro de açúcar. Derreteu. Hoje foi diferente. Hoje você veio inteira nesse pote de mel. Assim que abri, um cheiro de nós dois, a sua lenta dança em ondas espessas, as flores de laranjeira desenhadas no interior da tampa. Sua cor e seu gosto. Doce. Você veio rindo soluçante, moleca, com a colher de lado na boca. Cheia de mel. Melada.
Se escondendo atrás da porta. Susto. Atrás de um teclado. Saudade. Hoje você voltou com muita força. Ah, se eu soubesse que era só abrir esse mel. " 



Ela: Cinzas

Ela voltou à fogueira da noite passada. Uma noite passada. E eram só cinzas. Uma pequena montanha de cinzas, coisas queimadas, madeiras boas, restos, lixos, galhos verdes, alegrias, brigas, sonhos. Tudo lambido pelas chamas. Queimado até à torra. Agora, à sua frente, só uma pilha de poeira que abafa, sufoca, esconde, empurra tudo ao esquecimento. 

Ela não consegue sentir. Apenas ouve sua própria respiração limitada. O vento voa, balança seus cabelos nos ombros, mas não move uma partícula sequer da montanha de cinzas. Um grão. Nada se mexe. É como seus olhos fixos, que nada sentem. Como seu peito, que não consegue remexer os restos. Nem sabe querer. 

A montanha já é fria e pesada, passada, sem vida. Uma manta intransponível sobre tudo o que ela sente. E não sente mais nada. Apenas vê as cinzas e imagina uma brasa quente. Sopra." 

Na Guerra 

Abriu a janela, viu a cavalaria. 

Desligou o fogão com água pro café. 

Calçou os coturnos, pegou o escudo e a caixa de bombons. 

Saiu na guerra. 

Chegou à casa dos pais. 

Tudo por um abraço.

Trilha sonora: