Roshar é um mundo de pedras e tempestades. Essas estranhas
tormentas, de incrível poder, varrem o terreno rochoso com tanta frequência que
terminaram moldando não apenas a ecologia, mas também a civilização. Animais
que se escondem em conchas, árvores de galhos rígidos e uma vegetação que se
retrai e se revela. As cidades só podem ser construídas onde a topografia
oferece abrigo. Já se passaram séculos desde a queda das dez ordens conhecidas
como os Cavaleiros Radiantes, mas suas Armaduras e Espadas Fractais permanecem:
objetos místicos que transformam seres comuns em guerreiros praticamente
invencíveis. Homens dão seus reinos em troca das Espadas Fractais. Guerras são
travadas por elas, e são elas que garantem a vitória. Uma dessas guerras ocorre
em uma paisagem inóspita conhecida como Planícies Quebradas. Lá, Kaladin, que
abandonou seus estudos de medicina em troca de uma lança para proteger seu
irmão mais novo, foi reduzido à escravidão. Agora, em meio a um conflito que
parece não fazer sentido, no qual dez exércitos lutam isoladamente contra um
único inimigo, Kaladin busca manter seus homens enquanto sonda os outros
líderes. O Luminobre Dalinar Kholin comanda um dos exércitos. Assim como seu
irmão, o falecido rei, ele é fascinado por um texto antigo chamado “O caminho
dos reis”. As visões dos tempos antigos e dos Cavaleiros Radiantes o fazem
duvidar até da própria sanidade. Do outro lado do oceano, a jovem Shallan,
ainda inexperiente, procura realizar seu treinamento com a Luminosa Jasnah
Kholin, a sobrinha herege de Dalinar. Embora aprecie o aprendizado, a motivação
de Shallan não é tão nobre assim. Enquanto planeja um roubo um tanto ousado, a
pesquisa que faz para Jasnah sugere segredos dos Cavaleiros Radiantes e a
verdadeira causa da guerra. Após mais de dez anos de planejamento e construção
deste universo único, “O caminho dos reis” é o fantástico capítulo de abertura
de Os Relatos da Guerra das Tempestades, uma obra-prima de grande magnitude que
continua a ser elaborada. Volte a dizer os antigos juramentos: Vida antes da
morte. Força antes da fraqueza. Jornada antes do destino. E devolva aos homens
os Fractais que outrora portaram. Os Cavaleiros Radiantes devem se erguer
novamente.
Resenha:
"Vida antes da morte. Força antes da fraqueza. Jornada antes do destino."
Roshar é um mundo singular, constantemente moldado por tempestades colossais que sopram de leste a oeste, violentas o suficiente para arremessar rochas pelo ar. Nesse ambiente hostil, a vida precisou se adaptar: gramíneas e trepadeiras recuam para o solo diante de ameaças, árvores envergam seus galhos contra o vento, e a fauna é majoritariamente composta por criaturas crustáceas, como enormes caranguejos usados até mesmo como animais de carga.
Entre as lendas desse mundo, destacam-se as espadas e armaduras conhecidas como Fractais, relíquias dos antigos Cavaleiros Radiantes, guerreiros quase divinos cujo legado ecoa na memória da humanidade. Poucos possuem tais artefatos, cada um deles valendo a fortuna de um reino.
A narrativa ganha força a partir do assassinato do rei Gavilar, de Alethkar, morto pelo misterioso Szeth, o “Assassino de Branco”. Embora Szeth tenha agido sozinho, os parshendianos assumem a responsabilidade, desencadeando o Pacto de Vingança: uma guerra implacável nas Planícies Quebradas, onde os alethianos buscam vingança a qualquer custo.
É nesse cenário que acompanhamos três protagonistas centrais: Kaladin, Dalinar Kholin e Shallan Davar. Cada um carrega seus próprios conflitos e segredos, que se entrelaçam gradualmente para revelar os mistérios de Roshar.
A sociedade oriental do continente é rigidamente dividida: os olhos claros ocupam a nobreza, enquanto os olhos escuros são relegados ao trabalho comum. Kaladin, um olhos escuros de Alethkar, vive esse contraste em sua própria carne. Filho de um cirurgião, dividido entre seguir os passos do pai ou empunhar a espada, ele vê seu destino tomar um rumo brutal. Traído durante a guerra e vendido como escravo, acaba reduzido à função desumana de carregador de pontes nas Planícies Quebradas. Mesmo diante do desespero, Kaladin sobrevive quando tantos outros não, levantando a questão: estaria amaldiçoado… ou abençoado pelas tempestades? Sua trajetória de resistência, coragem e propósito é um dos pontos mais fortes do livro.
Dalinar Kholin, tio do jovem rei Elhokar, carrega o peso do passado. Marcado pela morte do irmão Gavilar — na mesma noite em que, embriagado, falhou em protegê-lo —, Dalinar busca redenção seguindo os antigos Códigos de Guerra. Conhecido como o Espinho Negro, ele é um guerreiro temido e respeitado, mas começa a questionar os valores de seu povo, que veem na guerra a mais nobre vocação. Assombrado por visões que surgem durante as tempestades, Dalinar percebe sinais de uma ameaça muito maior que paira sobre todo Roshar. Um homem muito honrado, que inspira respeito, mas sua integridade também o torna vulnerável àqueles que o veem como um homem à beira da loucura.
Shallan Davar, por sua vez, é uma jovem de olhos claros que parte de Jah Keved rumo a Kharbranth com um ousado objetivo: tornar-se discípula de Jasnah Kholin, irmã do rei e uma das mentes mais brilhantes do mundo. Porém, sua verdadeira intenção é roubar o Transmutador da mestra — um artefato capaz de transformar qualquer material em outro — e, assim, salvar sua família da ruína financeira. Inteligente, determinada e cercada de segredos, Shallan enriquece a trama com intriga, dilemas morais e descobertas surpreendentes.
Com esses personagens, Brandon Sanderson constrói uma obra monumental. Seu sistema de magia é criativo e complexo, inserido em um universo povoado por crustáceos gigantes, espadas místicas, batalhas épicas e assassinos implacáveis. Além dos protagonistas, personagens secundários ganham destaque e importância, tornando o enredo ainda mais vibrante.
O Caminho dos Reis aborda temas que vão além da fantasia:
-
Honra, representada por Dalinar, em sua luta para se manter fiel a um código moral mesmo em um mundo que o ridiculariza por isso.
-
Esperança, que permeia a jornada de Kaladin, mostrando que proteger os outros pode dar sentido até aos momentos mais sombrios.
-
Sacrifício e lealdade, que desafiam cada personagem a repensar o valor de suas escolhas e de suas crenças.
O mantra “Vida antes da morte. Força antes da fraqueza. Jornada antes do destino” ecoa como um lembrete poderoso sobre perseverança e resiliência — um símbolo do espírito que move toda a obra.
Apesar da extensão de suas mais de mil páginas, a leitura flui com surpreendente leveza, alternando ação, emoção e revelações que tornam difícil largar o livro. Para fãs de fantasia épica — e, especialmente, de Brandon Sanderson —, esta é uma leitura obrigatória.
Trilha sonora da resenha:
